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  2. Pedro Kupfer

O Yoga como negócio

Vemos com alguma freqüência entrepreneurs que, olhando para a popularidade que o Yoga está vivendo atualmente, decidem abrir seus próprios “negócios” vinculados a ele. Coloco a palavra negócio entre aspas, pois até hoje me choca essa associação do Yoga com uma empresa que objetiva apenas o lucro. Pura e simplesmente, o que estes empreendedores querem é fazer dinheiro com Yoga. Não há nenhum compromisso com os objetivos maiores, e muitas vezes nem sequer são contemplados os efeitos secundários da prática sobre as pessoas, como aumento da qualidade de vida e bem-estar.

Não obstante o foco estar completamente centrado no lucro, o discurso sobre bem-estar e qualidade de vida continuam presentes nos materiais de divulgação e websites dessas empresas. Essa infeliz atitude lembra as ações da Petrobras, essa infame empresa que, após emporcalhar da maneira mais irresponsável as águas dos mares brasileiros e destruir a vida neles (vide a situação da baía de Guanabara), patrocina campeonatos de surf e outros esportes aquáticos para “cumprir sua responsabilidade social”.

Um esclarecimento necessário: quando falo em empresas de Yoga, não estou incluindo nessa categorização a imensa maioria dos estúdios de Yoga do planeta, mas me referindo apenas às grandes empresas (ou as aspiranteswannabes), organizadas muitas vezes em redes de franquia ou sistemas similares, com marcas e nomes registrados. Dessas corporações, podemos distinguir dois tipos: 1) as de perfil sectário, que carregam toda uma bagagem de culto à personalidade de um líder despótico e mecanismos de lavagem cerebral, dentre outros, e 2) as empresas cujo foco é o lucro, puro e simples. Este texto está centrado na tentativa de compreender a relação entre a sociedade em que vivemos, o praticante de Yoga e esse último tipo de corporação, cujos donos vejo como os Dhritarashtras desta era, cegados pela ambição desenfreada.

O Yoga como Yoga.

Há muitas formas de definir o Yoga. Para simplificar, e não cansar o leitor com repetições, podemos afirmar que Yoga é uma escola de autoconhecimento, ou o exercício da prática desse conhecimento de si mesmo na vida real, através de atitudes e ações conscientes. Desde tempos imemoriais, o Yoga esteve vinculado à busca da liberdade. Por paradoxal que possa ser buscar algo que nós já somos (uma vez que as escolas de filosofia vinculadas ao Yoga nos ensinam que aquilo que buscamos é o que de fato somos), esse é o objetivo e todo o esforço do praticante está centrado na completude desse processo de crescimento interior.

Nessa ordem de coisas, o Yoga nunca foi um método para prosperar ou enriquecer materialmente. O tipo de prosperidade e conforto para o qual o Yoga aponta, certamente, não está centrado na realização de desejos ou na acumulação de bens materiais. A riqueza para a qual o Yoga aponta é de outra índole. A meta é cultivar um estado de pacifica plenitude, que pontue todos os momentos da existência. Esse estado de plenitude é chamadomoksha, que quer dizer liberdade, em sânscrito.

Tradicionalmente, as pessoas comprometidas com esse caminho não eram as mais ricas ou as mais visíveis dentro da sociedade, embora dentro do grupo dos adeptos do passado não faltassem figuras como o rei Janaka, umyogi-governante lembrado pela temperança e justiça com que reinou. No passado remoto, os yogis preferiam a vida simples, na floresta, perto dos rios, ou em lugares recolhidos e tranqüilos. No passado recente, da mesma maneira, percebemos que muitos praticantes escolheram lugares solitários para viver, praticar e ensinar. Atualmente, a coisa muda bastante de figura: aproveitando o embalo da popularidade do Yoga, surgem grandes firmas e franquias, que aplicam massivamente o marketing e os demais métodos do capitalismo para vender e divulgar algo chamado Yoga. O fato de termos chegado nessa situação é reflexo de uma curiosa série de distorções que relataremos a seguir.

O Yoga como exercício.

Era uma ínfima parte desse método. Com a distorção atual, vemos que essa ínfima parte do Yoga tornou-se sinônimo de Hatha, e que este termo, por sua vez, tornou-se sinônimo de Yoga. No caminho, ficaram para trás as técnicas avançadas ou complexas, comomudra, pranayama, mantra e meditação. A falácia de vermos o Yoga desta maneira é que se Yoga é igual a Hatha, e Hatha é igual a ásana, então, Yoga é ásana:

Yoga = Hatha; Hatha = ásana => Yoga = ásana.

Concluir isto é tão ridículo e precipitado quanto concluir que se Yoga é um conjunto de técnicas, e que o mula bandha (a contração dos esfíncteres) é uma dessas técnicas, então, qualquer pessoa que contraia os esfíncteres estará praticando Yoga.

Enquanto seja verdade que o Yoga lida com o corpo, a mente e as emoções, seu objetivo maior é a liberdade, moksha. No entanto, a visão reducionista que a sociedade tem do Yoga na atualidade é de que este seria uma espécie de exótica ginástica oriental ou exercício anti-estresse. Essa percepção equivocada é fruto da confusão entre meios e fins no próprio ambiente dos professores de Yoga. Muitos instrutores “profissionais” desconsideram a visão da vida e o ensinamento sobre si mesmo, julgando serem mera teoria, e acabam se centrando nas técnicas, que passam a ser vistas como objetivos a serem atingidos.

Quando a mídia especializada em Yoga promove esta confusão, como acontece atualmente, os demais veículos da imprensa ecoam essa atitude e assim, o público recebe a informação de que Yoga é exercício físico para o bem-estar, e mais nada. Com esta distorção na visão dos objetivos do Yoga, confundem-se ferramentas e metas e o cuidado com o corpo, que sempre foi considerado um veículo para alcançar a meta maior, moksha, passa a ser considerado um fim em si mesmo.

A responsabilidade e o demérito kármico, obviamente, ficam com os professores, que, por opiniões ou ações deliberadamente distorcidas ou até mesmo por omissões (por exemplo, quando um professor diz “eu não me meto nessas coisas”), iniciam esse processo de confundir meios e fins.

O Yoga como instrumento do capital.

Não sou economista nem enxergo com clareza as filigranas do capitalismo. Porém, percebo que, para o empresário, o Yoga, obviamente, não é filosofia de vida nem escola de conhecimento. No melhor dos casos, é visto convenientemente como um exercício, da forma que analisamos acima. Eis aí que começa a tarefa de destruição sistemática do ensinamento: quando o empresário define o Yoga como serviço ou produto, estabelece os meios de produção (instalações, infra-estrutura da escola, sala de prática, etc.) e os complementa pelo modo de produção (equipe de professores, recepcionistas, etc.).

Nessa ordem de coisas, o material humano não é visto de maneira muito diferente dos camponeses da Idade Média ou dos operários das fábricas durante a Revolução Industrial. Em muitos casos, estabelece-se uma retribuição por salário ou hora-aula ao professor, que passa a ser considerado apenas como uma engrenagem no sistema produtivo e que pode ser eliminado, caso se perceba um interesse “além do normal” na filosofia, ou na motivação para manter os mantras ou a meditação nas práticas. Nesses casos, o professor é descartado como a casca de uma laranja cujo suco foi extraído, uma vez que ele representa um perigo.

Disse acima manter os mantras e a meditação nas práticas, pois obviamente, no processo de redução do Yoga a um exercício, essas técnicas, bem como a reflexão sobre os valores éticos e a auto-observação, são descartadas como empecilhos que podem espantar a clientela. Hoje em dia, pouca gente sabe que mantras e meditação sempre fizeram parte do leque de práticas do Hatha Yoga. Essa é a razão pela qual os praticantes que não se satisfazem com o Yoga da maneira que é ensinado, acabam por dirigir suas atenções para outros sistemas que saciem a sede real de conhecimento, como o budismo tibetano ou o zen.

O instrutor-bagaço.

Nessa ordem de coisas, a grande ironia é que, quem define o que é Yoga é o próprio “consumidor”, através de canais de comunicação com a gerência dessas empresas (“fale conosco”, caixa de sugestões na recepção, emails, etc.). Assim, quem estabelece o que entra numa aula de Yoga e o que fica de fora, não é o professor, mas o “cliente”. Portanto, deduzimos que o empresário considera que o cliente saiba mais sobre Yoga do que o próprio professor.

Do professor, espera-se que, mansamente, se submeta à vontade do aluno de manter o foco das práticas na redução do abdome ou em firmar os glúteos. Um bom amigo meu perdeu o emprego numa dessas empresas por conta da opinião de clientes (leia-se dondocas ansiosas para eliminar a flacidez) que se queixaram de que a aula dele tinha “demasiada filosofia”. Como o cliente sempre tem razão, o professor foi para a rua.

O resultado da atitude do empresário que apresenta o Yoga desta forma, é que ele colabora, no melhor dos casos, com a involução e a distorção do Yoga. No pior dos casos, podemos ainda considerar que o empresário esteja falsificando o Yoga, apresentando-o como algo que ele não é. Assim, voluntariamente ou não, o empresário mente e engana as pessoas, empurrando para elas algo que parece Yoga, mas em verdade é um arremedo vulgar, uma cópia malfeita dele.

Dizendo alto e em bom tom um número suficiente de vezes que Yoga é um exercício físico, estes empresários e professores inescrupulosos conseguiram emplacar a ideia de que o Yoga seja mesmo um exercício. Como a opinião pública tende a seguir os especialistas dentro de cada área, e os especialistas em Yoga da atualidade (pelo menos, aqueles que pagam assessoria de imprensa ou convencem as agências de notícias) declaram isso, então as pessoas acabam mesmo acreditando que Yoga é exercício. O resultado é que muitas vezes, praticantes sinceros sentem-se desorientados em tais contextos. Intuindo que o Yoga seja algo mais do que aquilo que está sendo apresentado para eles, acabam por se sentir fora de contexto nas próprias escolas cujo foco esteja apenas no lucro.

O Yoga como auto-ajuda para enriquecer.

Atualmente, para piorar as coisas, há autores da área da auto-ajuda que, um pouco dissimuladamente, um pouco descaradamente, expõem o Yoga como um sistema que ajudaria o praticante a fazer dinheiro. Eufemisticamente, a palavra dinheiro não é empregada. Em seu lugar, entram termos mais neutros, como prosperidade, sucesso, riqueza ou abundância. Ainda, estes ensinamentos aparecem profusa e generosamente pintados com “verniz espiritual”, adornados com citações das Upanishads e outros śāstras.

Não testemunhamos apenas a redução do Yoga a um sistema de exercício físico, mas igualmente um uso bastante questionável, por não dizer hipócrita, dos valores do Yoga como uma forma de fazer dinheiro. Assim, invertem-se os valores fundamentais da ética yogika: onde deveria haver desapego, vemos prosperar a busca da abundância, como se nela estivesse a plenitude. Onde os praticantes deveriam ser convidados para pensar na simplicidade, propõe-se a busca do hedonismo, como se nele pudéssemos achar a felicidade. Onde deveríamos refletir sobre a verdadeira identidade do Eu, nos propõem a realização das ambições como solução para a felicidade.

Nesse vácuo, alguém ainda vai escrever livros com títulos como O Yoga Sutra da Prosperidade, Os Sete Segredos do Yoga, ou Patañjali, o Maior Vendedor do Mundo. Ficam aqui anotadas essas sugestões para o próximo candidato a guru auto-ajudístico.

As alternativas.

Paradoxalmente, os opositores do Yoga nesta nossa sociedade parecem saber mais do que os próprios instrutores. Esses adversários do Yoga, se cabe usar esta palavra, são membros de cultos fundamentalistas cristãos que, muito corretamente, percebem a dimensão espiritual do Yoga que os empresários insistem em negar. O detalhe é que, considerando estes religiosos que o Yoga não está na Bíblia, eles o enxergam como um produto da mente do demônio e olham para ele com medo e desconfiança. Bons evangélicos, como sabemos, não freqüentam aulas de Yoga.

A compreensão de que o Yoga seja algo mais do que estas distorções é a tábua de salvação do praticante sincero. A bem da verdade, o Yoga nunca esteve dirigido ao consumo fácil. A massificação dele veio, conseqüentemente, acompanhada desse tipo de distorção. Aqueles realmente interessados nos objetivos verdadeiros do Yoga continuam sendo uma pequena minoria dentro do imenso grupo das pessoas que se auto-definem como praticantes. Assim sendo, eles devem superar as provações que a vida lhes colocar, na forma de coisas que parecem Yoga, têm cara de Yoga, cheiro de Yoga, mas não são Yoga.

Tradicionalmente, o Yoga foi ensinado em espaços pequenos, para grupos reduzidos ou até mesmo de forma individual. As mesmas soluções que funcionaram no passado, como ilustra o exemplo do mestre Krishnamacharya, que ensinava num exíguo cômodo da própria casa, continuam funcionando e sendo aplicadas por muitos bons professores até hoje. Provavelmente, essas salas de prática não terão letreiros luminosos com logotipos bem-bolados à porta. Provavelmente, não são lugares muito visíveis ou fáceis de se achar. Provavelmente, também, os professores que você encontre nesses lugares serão praticantes dedicados que, por estarem em casa, não têm o rabo preso ou receio de perder o emprego se falarem sobre a espiritualidade.

O praticante deve estar disposto a fazer frente, sozinho, a quaisquer dificuldades que possam aparecer em seu caminho. Dentre elas, podem surgir como obstáculos internos o desalento, a falta de motivação, a inércia ou a instabilidade emocional. Os obstáculos externos que o yogi encontra atualmente incluem professores despreparados ou fúteis, bem como essas sedutoras firmas com suas instalações, folhetos e websites moderninhos, mas vazios. Cabe a cada um, usando o bom-senso, evitar cair nessas armadilhas e trilhar pacificamente seu próprio caminho em direção à liberdade. Namaste!

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