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Envelhecemos juntos e morremos juntos

Eu tinha 7 anos e estava com o meu avô.

Ele me ensinou a não mentir e a sorrir. Vovô, seu Dê. Foi com ele que parei em um viaduto no centro da cidade. Era fim de tarde e aviões da FAB jogavam papéis prateados pelos 400 anos de São Paulo.

Nossa São Paulo já percorreu mais meio século. E eu com ela. Meu avô não está mais aqui, mas eu ainda estou lá com ele, apanhando os papéis ao vento.

O tempo somos nós. Nós somos o tempo. A Terra gira em torno do Sol e todos nós giramos junto. Envelhecemos junto e morre­mos junto. Nascemos, renascemos e tornamos a morrer. São Paulo envelhece e nós envelhecemos com ela.

Há muita gente indo embora. Muita gente procurando Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, pois dizem que São Paulo está violenta, suja, feia, maltratada. Dizem que São Paulo está malvada, gelada, endurecida. Não dá mais empregos nem moradias. Está super­lotada, estressada.

Só que ela não fica deitada, dormindo e comendo. São Paulo fica acordada. Dia e noite, noite e dia, como a vida, como nós. Minha neta vem dizendo que anda com me­do. Gosta tanto da vida, que tem medo de morrer. Se tudo o que nasce morre, por que o medo? Em parte, por causa dos filmes de horror que o irmão de sua amiguinha aluga. Somos o que vemos, o que ouvimos, o que falamos e o que sentimos. Neta, veja filmes que alimentam a verdade, a sabedoria e a ternura.

De filmes que alimentam o pensamento, morreu o diretor de cinema Rogério Sganzerla, cuja mulher, Helena Ignez, monja budista entre tantos outros papéis, acompanhou a sua passagem. O personagem de ontem tornou-se real. Ficou calma, tranqüila, rezando baixinho do livro que ele lhe dera há 30 anos. Budismo tibetano, o livro dos mortos, contando o que atravessa­mos depois de morrer. Dizendo que tudo o que você pode encontrar ali foi e está sendo criado por sua mente. Então, não se ausente. Não se assuste nem fuja. Não se apegue nem queira. Deixe que tudo passe como o sonho que somos, indo para a luz mais forte, mais bela. Teria sorrido, Rogério, que ria de suas próprias irreverências? Expirou e não inspirou mais. Um mestre zen costumava ensinar que o segredo da mente tranqüila é expirar lenta e suavemente e desaparecer no vazio. Depois, inspirar lentamente e ir ressurgindo em cor e em forma. Novamente expirar como se fosse a última vez. Sem querer nada, sem precisar se mostrar, sem esperar nenhum troco, retorno, agradecimento. Sem desejar o sucesso, a riqueza, o amor, a sabedoria, o caminho, a nobreza. Como será expirar pela última vez, sabendo que é a última vez? Diz o mestre que nesse momento a mente está naturalmente tranqüila, e que isso é o zen.

Você pode, eu posso, todos podemos, pois todos sabemos respirar. Não há necessidade de drogas, de formas secretas, palavras sa­gradas, textos imortais. Basta saber respirar, suave e macio, no ritmo natural, sem forçar nada, apenas observando o que acontece depois de expirar, sem nada esperar.

Poesia é como manto de monge, feita da pureza, daquilo que as pessoas jogam fora, pois acham que não serve para nada. O poeta e o monge vão pegando esses retalhos e juntando de forma que fiquem como um campo semeado. Por isso, São Paulo tem tantas possibilidades. Há tanto lixo, tanta coisa jogada fora. Coisas que servem, na sua pureza de não serem desejadas, para que poetas e monges construam suas moradas.

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